FORTUNA


Minha mãe deu luz a três meninos e uma menina, se é que.
Os dois primeiros – incluso eu – trabalharam o parto da roça até a cidade – lembro daquilo
Era uma precariedade danada aqueles dois... meus pais, 
flores em desabrochamento brincando de casinha.
Foi penoso pra todo mundo aquela condição de secura e poeira alta
não à toa as memórias desse tempo precisarem ser dessecadas.
As lembranças da chácara de Campinorte arrefeceram.
Resistem as do pé de jaca,
de seriguela,
jambo,
os vários de manga,
da BR a um quilômetro de casa,
da noite escura escura escura e o retinir dos caminhões,
que botavam medo .
A mudança pra Jacaré ou Lages,
agora município de Uruaçu, diferente,
pintou-se na memória.

Conservava-se ainda a poeira,
a seca triste, preguiçosa, ondulante,
no entanto a suntuosa serra limítrofe à casinha de adobe,
mãe das águas que significavam a bica que caía debaixo das
mangueiras e goiabeiras, no quintal,
o ecossistema,
o drama da vaca que sumiu,
a sexualidade irrompendo torta como os pau-terras dali,
fizeram ser diferente.
Éramos agora seis, e éramos também a um Pastinho
da casa da vó Preta e do vô Zé.
No fundo do Pastinho passava um Corguinho
 que nunca soube onde brotava e onde caía,
sabia só  que era habitado por piabas, onça e jacaré,
pois que nem cheguei a ver senão as piabas.
Lá pro meio do caminho, depois que a chuva o céu fluía,
um fio de riacho no Pastinho nascia,
escorrido daquelas enormes fendas piscinas,
e desaguava, vagaroso, nas piabas e Jacaré do Corguinho.
Ficava entretido acompanhando aquele pequeno rio de horas contadas caminhar pelo capim...
tardasse outra chuva, desaparecia.
Depois da cerca-limite do Pastinho ainda está a estrada da saudade
que leva para a casa de vó Preta, suas plantas, os louvores, pães de queijo...
da tia Areta, sua risada incomparável,
da bisa Lila – que a terra lhe tenha sido confortável – seus malogrados cafés,
da tia Jú e suas queixas dolorosíssimas da dor de perder um filho – adorava ouvi-la e ela adorava me falar.
No curral de lá de minha casa (ou tapera, como diziam) mais um sol se pôs.
Despojando o leite da vaca e do bezerro,
sob aquele banco de perna única, equilibrado,
proferia meu pai à sua cria
o preferido de seus fados
- Cês estuda, cambada! Estuda pra segurar caneta,
                                                                                   [não cabo de enxada!]

14.07.18

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