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Mostrando postagens de 2019
chegará o dia em que este grito ermo que ecoa cá dos picos de meu vão espírito me tomando a palavra em sua forma me tolhendo a frase em sua sintaxe romperá a carne qual mariposa irrompe o dia. seu voo não cantará a chuva e sua queda não matará a fome dos sapos mas ainda assim nulo de sentido lógico até se dissipar no ocaso será um grito que zé

Conto sensual

Desde que amanheceu, ainda que sem sol, percorria os olhares para as horas de ontem: lembrar de cada ação era como se eu revivesse o toque; as digitas dos dedos despelando, num tempo frio e seco, na pele macia com pelos ralos, a situação se dava pela calmaria, a rendição pelo cansaço, de forma que ocupavam-se inevitavelmente pelo comprometimento: estar ali um pelo outro era, também, estar por si, em realizar-se. Nos dedos, a firmeza do ato. Tentava relembrar outros cheiros, outros sabores, mas a memória lhe lembrava de que aquilo nunca houve antes e era tudo, tão somente, o que queria em alguém: o gosto que dura. Salivava pouco, não que não existisse motivo, mas destilava, lentamente, como predador que saboreia o imaginário até a razão desaparecer e esvaziar quaisquer espaços. Bem dentro dos olhos, conseguia sentir os pelos que se eriçavam no meio das costas: era a amostragem do envenenamento, arrepio entre as duas asas. Com as mãos muito bem posicionadas a língua

falência múltipla daquilo que poderia ser fibroso

que não há motivos e nem credibilidade em deuses em extra -terrestres. não há que se justificar pois aqui não é teoria e diz-se o inecessário o duro e o doloroso como a pornografia escusa e remissiva: mortos caminhantes sem raízes motivos atrás de alcançar o fixo estável imóvel linha de chegada lá -pide. qualquer falta de pretexto invalida o social o natural o sobrenatural vai além como o não saber escrever porque dói e quem me sabia não está para cura -tivar. será assim infundado morrer com sinais in- óbvios de desistir e ver a ococidade: exaurida de vida cheia de órgãos Isali - 26 de setembro de 2019
vamos, não chores! que o tempo é coisa previsível de sentir. passa e não se mostra, esmurra e não se compadece, rouba à mão armada horas de pobres insones assalariados que suspiram o amanhã já sabido de cor. já não tens mais idade para sonhos juvenis mas tens para o fracasso acumulado em teus olhos caídos. não te arrependes de nada? como do dia em que perdoara teu algoz e complacente oferecera a outra face nada? não ponderou o dito deveras maldito valor moral da subserviência agora, enfastiado, se te sobras tempo dorme, meu filho. zé
Meu deus está guardado no fundo de um guarda-roupas. Fede a mofo meu deus tempo consumindo a si mesmo. Tampouco adorado deus, de esmolas vive daqui e dacolá. Dormiu com fome noite passada, tinha seus cães pra alimentar. Pode-se vê-lo no suor das têmporas de velhos leprosos e caducos no imbróglio de cânticos silenciados meu deus sem metafísica é o estribilho  do povo oprimido estancado há milênios entre tudo e o nada se projeta em minhas lembranças de menino qual disforme forma dos rabiscos de outrora zé

na bosta

depois de arreiado, decidiu : precisava mijar e, chegando até o banheiro, percebeu que a boca do vaso, que recebe sem fome nenhuma aquilo que é expelido tendo sido antes cada cor saboreada, centímetro por centímetro, até o metro da língua pra depois de passar num acúmulo envolvente de vermelho escuro e quente, virar marron, estava maior e mais larga. depois de mentalizar o nada, que sempre se parecia com um quadro branco de escrever com pincel e se concentrar no contínuo barulho da água caindo da torneira pouco aberta, enfim relaxou o esfíncter e conseguiu liberar um jato forte de mijo que não durou mais que dois segundos e deu lugar àquela urina apertada e quase cremosa de tão difícil de sair. depois de observar bem como a água escorria pelas beiradas do vaso de modo tão involuntariamente mecânico, desequilibrou-se e caiu desceu foss'adentro, quando se lembrou, enfim, que, se tivesse como qualquer outro, poderia inclusive ser adubo para virar nova comida porque

lembrete

Ana atirava milho às galinhas no quintal A saboneteira tinha o tom do inverno a água o tom da solidão, caía da caixa nas pedras esponjosas   seguindo caminho até a bica minguante Os vales por que seguiam as águas rendiam pontes e personagens aos meninos de Ana. O quintal tomava forma de metrópole pés de manga serviam de aeronave para a invenção dos meninos podia-se ver o mundo inteiro sobre as folhas que divisavam cada cabine daquele pé de manga roxa que abrigava tudo quanto é periquito. Tudo era tranquilo em redor de Ana. No curral, o rádio tocava “emoções”. Os meninos se reuniam ao final das tardes de domingo para jogar bandeirinha o pasto inteiro servia de campo. corria-se descalço até o dedo encontrar alguma pedra infrequentável e destampar-se. Quando a noite chegava, estrelas serviam de palco para que corujas e urutaus pusessem em cena aquele medo melancólico sobre a nossa casinha de adobe   a caixa derramando água e imitando a chuva por detrá

metáforas para dizer Cicatrização

Ainda quando muito pequena, aprendi que a densidade das horas, somada ao tempo e à baixa temperatura, formavam no ar uma cortina de neblina passível de ser cortada. Era assim que lá na roça o povo falava, "cortar o ar com a mão". Também veio de lá o "frio de cortar".  Não muito distante, consegui cair e cortar o queixo: ora, queixo por queixo, a reclama vem pelo talho na pele. Cabelo também se corta, mas o meu quem aparava era minha avó que pra mim partir só partia bolo, depois de esfriar para não dar dor de barriga (afinal, cortar caganeira dava trabalho demais). Até o dia em que ela não estava mais ali para saber da lua. As unhas, formadas pela mesma queratina dos cabelos (eu soube mais tarde), mas em condições e por isso com funções diferentes, eu passei a cortar com os dentes. Assim, dentre cortar o rio com uma varinha e atalhar caminhos, atravessando pelo meio do pasto, acabei dividida entre meu pai e minha mãe. Num corte temporal, quando meu pai e eu tomá

sem título

se eu pudesse dobrar o tempo ao meio, faria esta ponta daqui encontrar com aquela de lá, obrigando-as a se encararem de tal modo que ainda este inconsciente não pôde fazer, inverno e verão. o tempo de papel. essa analogia... teria alguma melhor para tratar de algo tão solúvel e efêmero? a construção do ontem se tornou a moradia do hoje, para amanhã a previsão é de chuva: fechem as suas janelas, apanhem as roupas do varal. parece que toda hora e dia e mês e ano evidenciam uma falta de coesão essencial à matéria humana, que, substancialmente, se transforma como tudo que é dado crescer, e, ao mesmo passo, se perde como tudo que é dado ao esquecimento. para acalmar esse coração de criança que ainda agora encontra-se emburrado, como se lhe houvessem mandado fazer algo à contra-gosto, mas que em verdade só não encontrou respostas pra todos tantos "porquês", é que escrevo... esses riscos são riscos despojados do tempo, acidentes na semântica do nada de um papel

Com fé em deus

Deve ser muito mais fácil praqueles que acreditam em deus Ele ou outro sagrado, decerto complacendem dos que pedem Gritam Padecem Agradecem Temem... Aqueles que não e têm aparatos governamentais e legislativos funcionais e ativos certamente também são assistidos Aqui assiste o vizinho Que pergunta quem era o outro na noite anterior Quem olha aqui faz de estupro paródia Grita por riso Milita com clicada  Se deus, ele foi brasileiro. (Isabella)

pé- de- paina

Paradoxo é Paina que pesa hífen
desaprendi a escrita que se pretende gente grande no desmomento em que a lata de sardinha tomou forma de humanidade. desculpa que dou: manoel de barros. com sola atolada de inutensílios o homem sujou toda a superfície do verbo. dali em diante, careço muito mais daquele atraso de esterco nutrindo terra do que fórmulas que surrupeiam alimento. veja, desdesaprendi a ler o tempo no caminhar de meus irmãos que sonham passarinho, igual cigarra, seu canto, que de tão competindo com ruído de motor, esqueceu o jeito certo de interpretar as nuvens. repara, assunta. zé
desde miúdo quando a pequenice estava em tudo que eu tento dimensionar: quantas sacas de dúvida um homem deixa de levantar escorado em certezas absolutas de roda (?) zé

chamado às cores

as cores, todas elas precisam reaver sua feminilidade ontológica a azul nem tem vogal temática pra lhe pintarem formato de pica - de jeito maneira! - tem muito mais que ver com as águas luas mães a vida. a vermelha sempre se mostrou fácil e flexível, flertava com a azul muito antes de a terra ser e no dia em que trocaram fluidos gasosos explodiu o universo, numa tonalidade secundária - a rosa. pobrezinha da rosa... enfrenta crises humanamente identitárias ela que é toda gênese patrícia petulante feminina... sofrer da memória fragmentada em púbis zélia

Lília Anis, do 209 - 28 anos

Mais bonita que ela, só a capa do livro que ela lia. Todo dia no mesmo banco, fugindo do sol e, justo hoje, me passou os olhos, quando eu nem por mim respondia.   Como sempre busquei por respostas, não tê-las me incomoda. Irrita como o cartão verde-limão que não sei de qual banco é. Ou se é de crédito . N em mesmo se verde é a cor, porque o nível baixo não avançado de daltonismo me confunde pra amarelo e me impacienta, que me impede de ser quando se trata se cores.  Mas apascenta pensar em todas essas possíveis realizações quando percebo que desfoco o olhar no objeto. Dessa forma, m esmo sem conhecê-la, eu me sentia ignorada.  Vejam: ignorada e não inotada, do verbo “não-notar”. Tantos sinais eu dava e ela simplesmente fazia que não via  meus olhos nela. Afinal, a gente sabe que o olho do Outro, em nós, pesa o peso nos ombros . Não sabia o seu nome, sua idade ... P rovavelmente trabalhava... n essa vida sempre vamos atrás de mais dinheiro pra gastar com o que não precisamo

Trem Inverso

por quê trem em verso? Isali

Os olhos de Daniel

Naquele domingo, cansado de ter nada que fazer, me dou o direito de ficar na cama até às onze. Acendo um cigarro, caminho pelo apartamento colhendo roupas para bater, tomo um copo do café mais frio que morno preparado na tarde passada, lavo a louça e sento a bunda no sofá, de onde só saio às 14h. Depois de ter comprado e comido o almoço, volto pra cama e durmo por cerca de uma hora e meia. Acordo de pau petrificado e cueca molhada. Desde o dia anterior sentia uma volúpia que, indubitavelmente, chegara ao estágio da transpiração. Ainda lembro do sonho responsável por aquilo que beirou se tornar uma polução diurna. Éramos três, aninhados no pasto da frente da casa que me viu crescer, na fazenda. Eu e um deles nos atracávamos na grama, num sexo espiado por estrelas já mortas naquele céu enorme de interior. Tão enorme quanto as metafantasias que despontam do inconsciente humano. Rodávamos de desejo naquele chão cru, numa depravação a qual nunca havia me permitido antes. O outro, que podia

SE

Se pudesse te pedir uma última coisa pediria que pensasse mais em você mesmo, Que andasse de avião, que conhecesse o mar, que tirasse férias, que esquecesse temporariamente o rebanho. Se pudesse te abraçar uma última vez não pestanejaria faria de todos os dias o segundo domingo de agosto Seríamos pai e filho novamente, como na certidão. Se pudesse apagaria da cabeça aquele seu grito de socorro, o último encontro que volta e meia aparece sem pedir licença: "Me leva pra casa, meu filho" Desobediente, não atendi seu último pedido. A vida é como o triturador no paiol, meu pai – transforma a cana em ração e a ração em fezes – e não há voltar atrás Se houvesse, me pouparia dessas condições. zé

FORTUNA

Minha mãe deu luz a três meninos e uma menina, se é que. Os dois primeiros – incluso eu – trabalharam o parto da roça até a cidade – lembro daquilo Era uma precariedade danada aqueles dois... meus pais,  flores em desabrochamento brincando de casinha. Foi penoso pra todo mundo aquela condição de secura e poeira alta não à toa as memórias desse tempo precisarem ser dessecadas. As lembranças da chácara de Campinorte arrefeceram. Resistem as do pé de jaca, de seriguela, jambo, os vários de manga, da BR a um quilômetro de casa, da noite escura escura escura e o retinir dos caminhões, que botavam medo . A mudança pra Jacaré ou Lages, agora município de Uruaçu, diferente, pintou-se na memória. Conservava-se ainda a poeira, a seca triste, preguiçosa, ondulante, no entanto a suntuosa serra limítrofe à casinha de adobe, mãe das águas que significavam a bica que caía debaixo das mangueiras e goiabeiras, no quintal, o ecossistema, o drama da vaca que sumiu, a sexuali

O colo de Satã

Condiciou-se chamar de pouca vergonha o meu sentir. Utilizam da chance de refletir para refletirem sobre Quantos tiros ou chutes ou facas devo tomar até que me sinta curado do desvario pecaminoso. Quando fisicamente inertes, pecadores como eu,  no alto julgamento não teremos direito à defesa. Tortos por natureza, descaíremos vulgares, sensuais e desprotegidos no colo pecaminoso de Satã  - por convenção instituído nosso genitor. Não há na terra perdição igual ou comparável  aos membros inferiores pátrios-flamejantes de Satã - lanosas as pernas, coxas e virilhas, tal como cheguei a supor. O lastro, entremeando o imaculado e o algoz,  fará regozijar as nossas almas tão ordinárias em vida. zé

"angústia" ou "um trem"

mal da angústia é a perda perda de sentido, o vácuo perda de querência, o nada perda de juízo, amnésia fazer que sim com a cabeça dizendo não angústia é nó cego e apertado, coito de cachorro, sonhos geométricos da infância, dar nome ao filho natimorto. o céu primoroso é ambíguo aos homens inferno, desgracento, certeiro só as coisas rasteiras (nos) celestam o resto são os vícios zé

poema sem título

outro dia num desses tropeços caí de cara em chão cascalhento vontade que deu foi de chorar feito criança na verdade fiquei choroso o resto do dia, agora mesmo parece eu inda choro ali no chão me ocorreu duvidar da graça, me irrompeu um sentimento metafórico de cascalho, um trem de não partir, ser pedra... o sangue escorria da testa e regava o chão e eu chorava surdamente lembrando as pedras de outros dias, de outros tropeços, sobretudo de outras estradas zé

a freud

Parecia pesadelo. O clímax do pesadelo, quando tão logo o inconsciente,  ciente, nos diz: apruma! deu ruim! No lapso de um disparo, de um susto - e sustos são disparos e vice-versa -, a gente acorda a verdade é que a gente pensa que acordou, a gente finge, a verdade é na verdade essa... porque o inconsciente, ele até volta atrás, faz com que reafundemos a cara no travesseiro, Ecoa, parece que lá de dentro,  uma voz sonolenta que diz: "eu acordei mesmo ou ainda é pesadelo?" A resposta... só no amanhecer, mas só se o amanhecer existir mesmo. A gente faz força pra que a resposta chegue, pra que o amanhecer exista, pra que a memória volte. Inconsciente tem dia que é todo déjà-vu. zé

A vida inteira pela frente, o tiro veio por trás

Acordei bem cedo, como de costume, para os afazeres: escovar os dentes, lavar a louça, organizar a agenda de trabalho do dia, alimentar o peixe e, enfim, fumar meu cigarro com café. Não me considerava fumante há dois anos, quando eu fumava um e outro cigarro picado, da carteira de amigos que bebiam comigo. Eu só fumava quando bebia, que era na sexta ou sábado. Ou sexta e sábado, a depender da companhia. Chamamos aqui de picado quando pegamos um único cigarro da carteira/ maço. Quando me assumi pra mim como fumante, percebi que passei a comer menos. Emagreci, apesar de sempre ter me mantido no peso recomendado e, confesso, troquei uma ou duas refeições por tabaco bem bolado e café sem açúcar. Então, café, quando pela manhã, é sempre acompanhado de pelo menos um cigarro. No jantar também. Saio sempre por volta das 07h e só retorno às 20h, o que só me possibilita preparar qualquer coisa bem não nutritiva e comer, e assistir algum programa de tevê bem degenerativo. Noutra noite, depois d

metáforas para dizer Tempo

demorou o suficiente para eu notar que a luz da botoeira do elevador se apagava à medida em que ele chegava ao meu andar, e meu lixo se decompunha, apodrecia e mal-cheirava, como a velha que, no dia anterior, contava como Casca de ovo é bom pra tudo, coloco até na comida do meu neto no ponto de ônibus. No apartamento vizinho, ouvia O tempo voa decerto de alguém que também muito viveu. Naqueles vinte minutos em que esperava, estava evidente que o tempo voava na velocidade de uma bicicleta sem rodas, guinchada por um motorista cego. Enquanto ouvia o som do maquinário velho recém-reformado do elevador do prédio antigo, agora me novo, dei-me conta de que as contas que não fiz ainda seriam, como já eram antes de chegar, o desfecho da minha vida a ensinar, como a velha, O tempo não voa porque nem pernas têm! Para saber que até chegar ao aterro sanitário, meu lixo já poderia ter criado novos organismos para ser capaz de bem alimentar como de matar, quem pairava por lá tanto qua

pūber

Era  tempo de infância ,  ou a  “ fase  do porquê”,  como se  referi a  Ana  Cecília   às suas visitas quase nunca anunciadas ,   ou agentes de saúde,  quando  estas lhe perguntavam  sobre seus filhos   Hernandes Gustavo,  João Paulo  e  Ana Beatriz ,  em  ordem cronológica de nascimento . Isso porque Ana  já estava surtando  com  as  mirabulosas   e frequentes questões  dos filhos  mais novos , principalmente as articuladas por João Paulo, que contava  sete  anos e  ainda  insistia n o hábito de querer descobrir o mundo . O menino queria saber de tudo, inclusive de si próprio, a partir do passado dos mais velhos que ,   desafortunados, preferiam mant ê-lo  intocável e oculto .   Um dia,  Vilmar, esposo de Ana Cecília e pai d as crianças ,  já   agastado com João Paulo ,  que  empreendia descobrir  por que 7 é “sete” e não “seis” ,   lhe  repreendera: “ Paulinho ,  cê  é chato demais!  Tem coisa que  é porque é” .   João Paulo,   que  só não  foi o mais chorão dentre os filhos do cas